mineiro2011 Posted December 21, 2012 Report Share Posted December 21, 2012 "Pensar é transgredir" de Lya LuftO texto é extenso, mas, excelente de ser compartilhado.Bem coerente.Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanentereinvenção de nós mesmos – para não morrermos soterrados na poeira dabanalidade embora pareça que ainda estamos vivos.Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos,convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é precisopegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque avida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro quese renova a cada gole bebido.Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais oumenos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui.Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com otravesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: “Parar pra pensar, nempensar!”O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento quenos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou docomputador.Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, dodesafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.Sem ter programado, a gente pára pra pensar.Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor commil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada oupara algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas.Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar asmáscaras e reavaliar: reavaliar-se.Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nospressiona tanto.Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremosde um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o5primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o quefazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, éclaro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta édormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessaidade ainda é a vida.Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para asvarandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequenosegredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e todaa beleza têm significado como fases de um processo.Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, nãoescutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos queo prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vaitecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lheatribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportadanem vivida, mas elaborada.Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada.Muitas vezes, ousada.Parece fácil: “escrever a respeito das coisas é fácil”, já me disseram. Eu sei. Masnão é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não épreciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha apena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiadasensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem sesubmeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e àpossível dignidade.Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valeráa pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada quetrabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal seconseguiu fazer. Quote Link to comment Share on other sites More sharing options...
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